BREU - Geraldo Maia

BREU 2014

      “Breu” é um grito.
      De dor, de raiva, de alívio, de socorro, de medo, e, principalmente, de coragem.
      Enquanto conta as dificuldades que viveu, desde criança, até se assumir homossexual, na juventude, o autor nos fala também sobre nós mesmos. Nossa história, nossa cultura, nossa sociologia, nossas limitações, nossos julgamentos, nossas sentenças, nossas perguntas, nossas tentativas de compreender os seres humanos.
      Que grande favor para a humanidade é este livro de Geraldo Maia. Quando grita “olha eu aqui”, ele também está pedindo por todo mundo. Mas não para por aí. Ele já soltou seu grito, mesmo assim ainda parece pedir mais: “grita, minha gente! Que utilidade tem um grito guardado?”
      Ao terminar a leitura, nos sentimos tão heróis quanto Geraldo.
      Ficamos honrados.
      Esse grito também é meu, também é seu, é democratizado.
      Grita, minha gente!
      “Liberta que serás também”, como disse Vinícius de Moraes.

Adriana Falcão


A sombra e a luz

Somos várias personas. Mas qual delas merece maior espaço no tempo e no palco?

Se contradizendo e ao mesmo tempo sendo lúcido, o escritor americano Mark Twain assinalou na sua autobiografia que a vida da própria pessoa não pode ser escrita. A autobiografia seria apenas um invólucro, uma embalagem. Por um lado, podemos entender o comentário como uma espécie de antevisão da frase célebre de Saint-Exupéry – e que virou clichê – o essencial é invisível aos olhos. Ou, para concluir esse pensamento inicial, citar Clarice Lispector no seu Água viva: O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas.

Quando abro esse Breu de Geraldo Maia, sinto a imensa força de um subtexto que corre sob e além das suas recordações de infância, das suas primeiras dores e descobertas. A sinuosa prosa poética quebra o que seria um desabafo ou depoimento pessoal para dividir conosco o difícil aprendizado da construção de uma (ou várias) identidade(s) – esse drama perpétuo que nos leva ao divã do analista, à arte ou ao que classificam como loucura.

Diante de um texto onde são expostos com coragem os sofrimentos e as dúvidas do autor, reforça em mim a ideia que a boa literatura não pode ser feita com embustes. Ficção ou não, histórias inventadas para entreter leitores mundo afora, no alicerce de uma obra deve existir uma força genuína que ultrapassa as classificações acadêmicas.

Nas suas recordações o menino Geraldo chora conosco o funeral da mãe enfeitada de cravos brancos, goza com requintes de adrenalina e medo nos braços de Melquíades, dedilha na rua notas musicais de sêmen e cumplicidade entre amigos que compartilham do mesmo desejo que não ousa dizer seu nome.

No trato da homoafetividade, a prosa de ficção e a poesia pernambucana têm poucas referências de qualidade que merecem ser citadas. Nesse Breu de Geraldo Maia, além da primeira impressão de serem fragmentos de uma autobiografia, há um auto de fé e de libertação. O que seria de nós se não renascêssemos através de tudo que renegamos e não queremos mais?

O escritor, que já é tão conhecido por todos com seu violão e sua voz, nos ilumina com uma obra densa na escuridão da culpa e na crítica mordaz ao pecado imposto e inventado.

Mas para encerrar essa coisa tão movediça que é a apresentação de um livro, me permitam que eu diga a minha verdade neste instante: o mérito maior deste Breu, caro leitor, é a emoção de ver alguém tornar-se protagonista da sua própria história e trazer à luz tanto talento e sensibilidade.

Raimundo de Moraes Recife, junho 2014


Embora tenha sido escrita com o maior apuro literário, esta não é (apenas) uma peça de literatura.

Sob um título seco e rude o autor resume com precisão o teor do seu testemunho.

Porque este é um testemunho sobre a maneira como os seres humanos, justo em seu momento de maior vulnerabilidade, a infância e o começo da adolescência, são submetidos arbitrariamente a uma grade de horrores.

Tanto por parte de instituições que deveriam ser amáveis, mas que se revelam sádicas, quanto por pessoas que deveriam ser amorosas, mas que – por inércia ou ignorância - preferem moralismos, pudores e repressões na hora de agir.

Numa narrativa tão sóbria quanto expressiva, o autor mostra como diante de uma sexualidade transgressiva ou uma sensibilidade mais aguda essas pessoas e instituições utilizam quaisquer recursos para que essa “excrescência” seja esmagada, pouco importando os danos que causem.

E, se muito desse dano é feito em nome do cristianismo, cabe perguntar: Qual é o Cristo que justifica essas máquinas de terror?

E aqui vale complementar: Breu é, também, uma peça de literatura.

Uma peça de literatura convulsiva, escrita por uma pessoa que desde muito cedo foi atropelada por uma sequência de desgraças, numa fase negra de sua vida.

Portanto, se isso é um acerto de contas, certamente quem o realizou é um artista da palavra.

O que só faz dobrar o valor deste livro.

Marco Polo Guimarães Escritor, músico e jornalista


Um mergulho de cabeça nos abismos da mente humana

          De início, o confessionalismo ligava-se à ideia religiosa, em que o ápice foi Santo Agostinho. Já em tempos mais recentes, Rousseau alargou o conceito em suas (também) Confissões, preocupado mais com um texto em que o sujeito de enunciação toma a si mesmo como objeto de conhecimento. A partir daí, como ressalta o professor Carlos Ceia, da Universidade Nova de Lisboa: “A literatura confessional como um conjunto de textos de teor intimista é, por isso, uma produção típica da modernidade visto que o princípio dos tempos modernos é a subjetividade”. Ultimamente, a literatura confessional tem perdido prestígio para a chamada autoficção. Coisas do pós-modernismo.

          Estou convencido, entretanto, de que a boa literatura tem a capacidade de sobrepor-se aos limites temporais e aos marcos teóricos sempre cambiantes. Convicção reforçada ao ler os originais deste Breu, do músico (com formação sociológica) Geraldo Maia.

          O próprio título é significativo. Os dicionários definem a palavra como um “sólido escuro, inflamável, obtido a partir de secreções resinosas de várias plantas” e, por derivação, “escuridão ou coisa muito escura”. Pois o texto é uma prospecção nos recantos mais escuros da alma do autor, naquilo que ele tem de mais íntimo e indevassável. Escrito com enorme sinceridade e apuro lingüístico, provocará, não tenho dúvidas, forte impacto no leitor (e aqui poupo-me de lugares-comuns como “soco no estômago”, embora tenha sido tentado, não nego).

          A narrativa, quase minimalista, impacta em duas vertentes principais: a descoberta precoce do homossexualismo, pela sedução/violentação de Melquíades, num jogo perigoso em que o menino descobre, ao mesmo tempo, a culpa e o prazer.

          E a morte da mãe, presenciada pelo filho ainda pequeno e buscada na memória de uma forma quase cruel, ao expor, lado a lado, a dor intensa e os detalhes da degradação humana.

          Breu não é texto para estômagos especialmente sensíveis. É para os que têm coragem de mergulhar de cabeça, via boa literatura, nos abismos da mente humana.

Homero Fonseca 10/07/2014


Breu

Ao Geraldo Maia que conheço e admiro há tempos como músico dá os braços um novo Geraldo Maia que venho a conhecer e também admirar: o escritor. Através deste breve e pungente trabalho, que inaugura essa nova voz, ele narra uma história que é a sua e também a de todos nós: se tudo o que é vivo, que respira e se exalta, e sofre e goza nos diz respeito, somos a voz de Geraldo também. Assim, pouco importa o rótulo da autobiografia (é ou não é?) e da veracidade de nomes, eventos, detalhes (foi assim ou não foi?): tudo o que um escritor forja, ademais, leva a marca da confissão.

A voz deste livro diz Breu, mas poderia dizer Fiat lux, gênese pagã que dá origem ao mais humano dos mundos. Ela ilumina, empunha uma lanterna nos recantos sombrios e dolorosos de um passado que quer ser esquecido e não pode – mas poderá ser lembrado? O que fazemos com os nossos breus, as nossas escuridões? Dito de outro modo, o que fazemos com o piche da memória que lambuzaram em nós?

Geraldo faz conosco e por nós: um grito que é um facho de luz, um abraço que, ao acolher a dor, ao envolvê-la sem disfarces, ressemantiza-a e lhe dá um novo nome, finalmente possível: liberdade.

Adriana Lisboa


Geraldo, caríssimo.
Foi impossível parar de ler. Recebi agora, no escritório, esse belo livro. Iria ler no fim de semana. Dei uma olhada, rápida, só para ver como era. Não deu para deixar de ir até o fim. Adeus processos. Telefonemas a dar. O tanto por fazer. Parei tudo. Por duas razões principais e uma acessória. A primeira razão, antes de todas as outras, é que o livro é muito bem escrito. Diferente. Para melhor. Muito melhor que a média. Você acaba se revelando um escritor superior. Inesperadamente superior. Quanto ao estilo, sem dúvida possível, é um livro inesquecível. Uma pequena obra prima. A segunda razão é a coragem. É preciso ter coragem para dizer o que você disse. Bem sei que é também uma catarse. Que você, bem no fundo, precisava dizer isso ao mundo. Para se libertar. Mas até para isso é preciso ter coragem. E você teve, de sobra. O contraponto entre o enterro e o prazer, difícil de executar, você conduziu até o fim com maestria. Com um ou outro excesso, vá lá, era mesmo inevitável. Mas conseguiu a proeza de ser belo e corajoso. A razão acessória é que todos gostamos muito de você. Como artista e como pessoa. O que leva a confessar que leria o livro de qualquer maneira. Mas nunca o elogiaria, se isso não fosse um dever. Em honra da verdade. Minha maior qualidade, amigo, é também meu maior defeito. Só digo o que penso. E o que penso é que você é um predestinado. Porque fez o que tantos passam a vida tentando e não conseguem. Escrever um livro inesquecível. Parabéns.
Abraços do amigo de sempre,

José Paulo Cavalcanti


* Imagens do pocket-show no lançamento do livro BREU.