CD Samba do mar quebrado

Samba do mar quebrado 2004

Em novo disco, Geraldo Maia homenageia o samba, com sonoridades do Nordeste e de Portugal

Aqui não tem Lapanem botecos cariocas. O que vale é o Poço da Panela e outros bairros do Recife. E com direito a vinhetas do folclore lusitano, mas sem experimentalismos. Desta forma, o cantor Geraldo Maia homenageia o principal gênero musical brasileiro no disco Samba do Mar Quebrado (produção independente), lançado em dezembro de 2004. É o terceiro CD solo do artista e a primeira volta ao estúdio, depois da participação na trilha sonora do filme Lisbela e o Prisioneiro, com a “Deusa da Minha Rua”, acompanhado do violonista Yamandu Costa.
De todos os discos, Samba do Mar Quebrado apresenta mais uniformidade e consolida o estilo musical de Gerado Maia, cuja carreira iniciou no Recife nos anos 80. Naquele tempo, fazia sucesso na cidade como principal intérprete das trilhas teatrais do escritor Ronaldo Brito. Na década seguinte, mudou-se para Portugal, onde realizou centenas de shows. De volta ao Brasil, no fim dos anos 90, produziu seus primeiros discos Verd’água (1999) e Astrolábio (2001), de forma independente.

Sambas do Rei do Baião
Apesar da potência vocal, Geraldo Maia no novo disco opta por interpretações sóbrias e arranjos leves. Na audição da bolachinha, a primeira faixa chama atenção: um samba do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, em parceria com Dario de Souza, chamado “Tenho onde Morar”. Além do belo resgate, vale observar que o refrão do tema é idêntico ao do samba “Barracão é Seu”, de domínio público, gravada por Clementina de Jesus e João da Gente, marcado por longos improvisos de roda de samba.
Pois bem. Para compor “Tenho onde Morar”, Gonzagão utiliza o mesmo refrão de “Barracão é Seu” mas a segunda parte da letra, resgatada por Geraldo Maia, não consta na gravação de Clementina. Afinal, quem será o autor? Só musicólogos e historiadores de música para investigar.
O outro samba de Luiz Gonzaga tirado da poeira é a desconhecida “Feijão com Couve”, em parceria com J. Portela, que no disco conta com a participação do cantor Silvério Pessoa. No arranjo, predominam sanfona, violino e piano, sobretudo quando a marcação de samba cede lugar às vinhetas do cancioneiro popular português.
Entre as relíquias, o disco oferece versões contemporâneas das obscuras “Teu Retrato”, de Nelson Gonçalves e “Confissões de Amor”, de Sinhô, uma canção bem lenta que destoa da maioria das suas composições. Feliz com o resultado do garimpo, Geraldo Maia só não esperava a coincidência de descobrir a sincopada “A Ordem é Samba”, de Jackson do Pandeiro, no mesmo tempo em que Ney Matogrosso a escolheu para abrir seu mais recente disco.
Nas faixas “Padroeiro do Brasil” e “Passageiro do Sol”, Geraldo Maia retoma a influência lusitana, com percussão, bandolim e cavaquinho. Mas aqui os músicos deixam de lado a tradição brasileira de Jacob e Waldir Azevedo em busca do universo sonoro de Cabo Verde e Cesaria Évora. Gravada anteriormente por Maria Bethânia, a primeira canção finaliza com um canto litúrgico português de vozes femininas bem agudas. Já “Passageiro do Sol” é do veterano Aristides Guimarães, composta especialmente para o disco.

Compositores
Como Aristides, outros nomes que hoje são verbetes na história da música recifense também contribuíram com inéditas, como Marco Pólo, que nos anos 70 era líder da antológica banda Ave Sangria, e Zeh Rocha, um dos primeiros parceiros de Lenine. O repertório inclui ainda novos compositores pernambucanos, a exemplo de Carlos Mascarenhas, autor de “Recífia”, e Henrique Macedo.
O resultado final do trabalho difere da idéia inicial do disco. “Não era para ser um disco de sambas. Pesquisei músicas por dois meses e aos poucos veio surgindo o repertório, junto com a vontade de fazer um CD enxuto, orgânico. Minha voz cabe de forma razoavelmente elegante nesse estilo, embora não tenha aquela ginga de grandes cantores do gênero, nem pretendi fazer contorcionismos vocais”, comenta Geraldo Maia.

Influência lusitana
As vinhetas portuguesas foram extraídas de uma caixa de CDs lançada em Portugal, como resultado de uma vasta pesquisa. “Fiz o elo entre o resgate da tradição oral portuguesa e a minha sonoridade, pois acho que se enquadra no referencial  estético do meu trabalho”, afirma. Ao mesmo tempo, o artista mantém o lado lírico. “Tenho certo apego ao ‘bel-canto’, essa coisa meio dramática”. Não por acaso, dedica o trabalho a Maria Bethânia, sua maior influência.
O perfil musical de Geraldo Maia não se rotula no perfil dos movimentos mais conhecidos do Recife, como o manguebeat e o armorial, embora reverencie a música de seus conterrâneos. Já gravou inclusive com alguns deles em discos anteriores, como integrantes da Nação Zumbi e o violonista Antônio José Madureira.
Aos 47 anos e descendente de portugueses, Geraldo Maia não pretende remexer constantemente no caldeirão da Tia Ciata, em cujos terreiros no Rio de Janeiro na alvorada do século XX se produzia um som que ajudou a originar o samba. Ao contrário, seus interesses musicais são variados, sobretudo pelo que é produzido por “Recífia”, um neologismo feminino que une Recife e Maurícia, em alusão a Maurício de Nassau. Mas por enquanto, até chegar ao próximo disco, a ordem é samba.


Faixas

  1. Tenho onde morar Luiz Gonzaga/Dario de Souza mp3
  2. Um samba Henrique Macedo/Paulo Marcondes
  3. O sonho não acabou Maciel Melo
  4. A ordem é samba Jackson do Pandeiro/Severino Ramos mp3
  5. Cumpade, dá licença Zeh Rocha
  6. Feijão com couve Luiz Gonzaga/J. Portela
  7. Padroeiro do Brasil Ary Monteiro/Irany Oliveira mp3
  8. Recífia (Samba do Mar Quebrado) Carlos Mascarenhas mp3
  9. Passageiro do sol Aristides Guimarães
10. Teu retrato Nelson Gonçalves/Benjamim Batista
11. Realeza Zeca Madureira/Ronaldo Brito/Assis Lima
12. Infidelidade Ataulfo Alves/A. Seixas mp3
13. Confissões de amor Sinhô
14. Estrela vênus Marco Polo


Ficha Técnica

Produção e direção artística: Geraldo Maia
Direção musical: Dadá Malheiros
Arranjos: Dadá Malheiros, George Aragão, Lulu Oliveira, Bráulio Araújo e Geraldo Maia
Produção executiva: Filomena Maia
Pesquisa de repertório: Geraldo Maia e Filomena Maia
Gravação, mixagem e remasterização: Paulo Germano Filho
Fotografia: Teresa Maia
Projeto gráfico: Ana Rios e Tânia Avanzi
Tratamento de imagem: Robson Lemos
Gravado no Estúdio Via Som entre maio e setembro de 2004

Discografia:
Avia (2015) Voz e Violão (2013) Estrada (2012) Ladrão de Purezas (2011) Lundum (2009) Peso Leve (2008) Samba de São João (2007) Astrolábio (2001) Verd'Água (1999) Cena de Ciúme (1987)